Entre a impontualidade e a verborreia

Existem três tipos de reuniões, as de trabalho, as familiares e amigos. As primeiras, salvo raras exceções, normalmente decorrem como passo a descrever: está agendada para as 09:00h. Esgotados os 15 minutos de intervalo de tolerância, a reunião ainda terá que aguardar pela chegada de alguns elementos e pelas 09:45h, altura em que o último chega, que, antes de dirigir um bom dia aos presentes, atira espantado – A reunião já começou? Pontualidade é coisa que, seguramente, não nos toca. Começa a reunião e minutos depois dão-se início os atropelos que conduzem ao suprimento de parte do seu tempo precioso: os cumprimentos e o repassar dos acontecimentos mundanos da última semana com os vizinhos do lado; a interpelação extemporânea descontextualizada que não permite concluir um raciocínio; a impunidade da fala autista que nos ultrapassa e responde por nós; a instalação do caos, onde o diálogo é substituído pela algazarra e as conversas saltitam de um assunto para outro levando a diversos apelos ao silêncio e ordem, para que se possa retomar o rumo da reunião; a beatice opiniosa que nos puxa a contar uma história que conhecemos ou que já vivemos suprimindo tempo à reunião; as conversas colaterais e as “minis reuniões” dentro da reunião. E ficamos por aqui. É claro que as reuniões não devem ser um monólogo, mas reuniões que produzem algazarras, com todos a falar ao mesmo tempo, cada um com a sua veemência particular sem dar muita atenção aos outros interlocutores, não são reuniões produtivas. Chegados ao final da reunião, alguém tem sempre que sair mais cedo para ir ao infantário buscar o filho/a, ir ver a mãe que está doente em casa ou fazer compras, levando a que parte dos assuntos fiquem sem conclusão.

Todos nós gostamos muito de falar, mas dominamos pouco o processo de dialogar, de debater, e conversar.

João Guerreiro

Quanto às reuniões familiares e de amigos também têm as suas particularidades. Cada um fala isoladamente e ao mesmo tempo que os restantes, que falam também, eventualmente de temas diferentes, esganiçando-se frontalmente, como se o fato de ser ouvido e compreendido não tivesse importância. Já não há mensagens, apenas ruído e egos efervescentes. Os cortes, as dispersões, as interferências abrutas, que mudam num ápice a direção da conversa são, por assim dizer, bem-vindos. Saltita-se de um assunto para o outro, o que proporciona um pequeno prazer a todos. Tudo decorre intensionalmente. Para os que dominam a mesa interessa somente o ato de falar, acreditando, certamente, na crença mágica de que falando e continuando a falar se força os restantes a aceitar os seus argumentos. Ou, ainda, prosaicamente, elevar a voz e ser o último a falar equivale a ganhar a discussão.

Todos nós gostamos muito de falar, mas dominamos pouco o processo de dialogar, de debater, e conversar. Duas razões concorrem para que tal aconteça. O exercício saltitante com que passamos de um assunto a outro e a incapacidade de ouvir. Procuramos fundamentalmente a discordância e, antes de tudo, ouvir o som da nossa própria voz, a afirmação autista de nós, na fala pronunciada sem a preocupação de ser ouvida ou ser compreendida, desde que seja ouvida temos o dia ganho. Este tipo de trocas e baldrocas verbais tem efeitos no pensamento. A inatenção e as faltas de concentração exercitam-se na contínua dispersão das palavras. E quando se busca um fio condutor, uma visão de conjunto final, não se recorre à análise, visa-se a síntese, melhor, visa-se um modo sincrético de pensamento. Por isso pensamos tão pouco e de forma superficial. Devíamos atender ao fato de termos uma boca e dois ouvidos e, assim, ouvir mais e falar menos. Quem não nasce com esse dom pode sempre treinar a capacidade de ouvir, desenvolvê-la como uma arte enquanto disposição para ouvir os outros, mas tal requer paciência e paciência é o que nem todos temos.

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