Já a tarde ía avançada quando aquele jovem se veio sentar ao meu lado. Conhecemo-nos há muito tempo, embora ele deva ser quase trinta anos mais novo que eu. Da minha geração é o pai dele, claro.
Para além da idade, separa-nos a visão política do mundo. No entanto, a simpatia é mútua e há aquele ponto de contacto que tudo ultrapassa que é a festa brava. Isso mesmo, as corridas de touros.
A conversa tomou outro rumo – para além de pícaros comentários sobre a falta de qualidade dos “gatos” que estavam em praça… -, que me pareceu de grande interesse. Trabalha para uma grande empresa agrícola. “Quem é o teu patrão?”, perguntei. Não faz ideia, porque é um fundo de investimento, algures no mundo anglo-saxónico. Antes havia um proprietário, que depois vendeu a um fundo. Que tem terras e mais terras e que, com a mecanização dos campos, nem precisa de tanta gente assim. Xis tratoristas por tantos hectares, xis encarregados por tantas herdades, contas e mais contas. Se não compensar apanhar a azeitona, deixá-la na árvore, que não se pode atirar dinheiro fora. As azeitonas sim. A agricultura foi tomada de assalto pelo grande capital financeiro. Querem lá eles saber onde fica Serpa ou Cuba ou Viana do Alentejo. Querem lá eles saber quem são as pessoas por detrás das máquinas ou das empresas que têm espalhadas pelo mundo.
Não há gente no Alentejo? Só elegemos 8 deputados em 230? A sangria demográfica começou há mais de 50 anos e não tem fim à vista. A razão é, a este nível, simplicíssima e linear. A substituição de um sistema de agricultura extensiva, com grande quantidade de mão de obras e salários baixos faz parte de um mundo que, entre nós, está mais que extinto. Os mais velhos estão reformados, os mais novos fugiram para as periferias de Lisboa ou para o estrangeiro. Orlando Ribeiro explica lindamente as razões de tudo isso num livro, “Portugal, o Mediterrâneo e o Atlântico”, que devia ser de leitura obrigatória para toda a classe política.
Sem investimento sério na criação de conhecimento e na sua fixação teremos cada vez um Portugal litoralizado, e com tudo o que não se concentre nas áreas metropolitanas e no Minho ao abandono e a perder gente.
A conversa com aquele jovem inteligente e com ideias claras deixou-me uma certeza e uma perplexidade. A primeira é que os destinos do Alentejo, e os do País e os do planeta não estão nas nossas mãos, mas nas de obscuros interesses onde domina um capital financeiro sem rosto nem alma. Explorador e opressor, acima de tudo o que antes se conheceu. A segunda é a constatação de que, ao menos, os antigos proprietários tinham identidade, tinham uma face e estavam presentes no território. Agora nem isso acontece.
Vejo nascer um outro mundo. E não gosto do que estou, cada vez mais, a ver.