Natural de Lisboa, José Pedro Mendes Barbosa da Costa Salema, desde cedo que sentiu o gosto pela terra e pelo meio rural e como já referiu em diversas entrevistas, a escolha da licenciatura em Engenharia Agronómica pelo Instituto Superior de Agronomia, foi um “caminho natural”. Mestre em Gestão de Empresas e com um MBA pela Universidade Católica, é desde 2013 o Presidente do Conselho de Administração da EDIA, Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva.
À frente dos destinos de uma das mais importantes empresas para a região do Alentejo, sediada em Beja, o engenheiro agrónomo, considerou que “os últimos oito anos foram muito desafiantes, mas muito entusiasmantes também, porque tive oportunidade de assistir a uma revolução no território beneficiado por Alqueva”.
Se há oito anos havia ainda o risco real de que Alqueva pudesse vir a ser um “elefante branco”, com uma baixa taxa de utilização e muitas dificuldades técnicas, todas essas dúvidas esfumaram-se.
José Pedro Salema
Quando assumiu o cargo a convite, o antigo consultor estava longe de imaginar o que o esperava: “Se há oito anos havia ainda o risco real de que Alqueva pudesse vir a ser um “elefante branco”, com uma baixa taxa de utilização e muitas dificuldades técnicas, todas essas dúvidas esfumaram-se”. Hoje, o Alqueva tem “uma dinâmica empresarial incrível e projectos muito ambiciosos, projectos internacionais, com capitais de muitas origens diferentes e que vieram mudar por completo a paisagem”.
Apesar disso, sabia que essa “revolução” a que assistiu, “estava planeada. Era esta a resolução que Portugal desejava quando construiu Alqueva” e o projecto, “está de facto a funcionar melhor do que pensávamos inicialmente, com as taxas de utilização da infraestrutura mais altas do que aquelas que estavam previstas nos melhores cenários”.
Seguro de si e da sua experiência na área de consultoria e gestão de projectos agrícolas, afirmou que sentiu alguma preocupação por assumir um cargo de tanta responsabilidade: “Nunca nos sentimos verdadeiramente preparados para um desafio deste género. Foi com surpresa que recebi o convite e a primeira reação foi de receio”. Frontal, o engenheiro agrónomo, “achava que conhecia bem Alqueva, porque tinha feito uma carreira de consultor no sector agrícola e agroindustrial e tinha muitos clientes nesta zona, mas o que percebi cedo depois de aqui chegar, é que havia um mundo que eu desconhecia e a complexidade e a abrangência da máquina que aqui está montada, que está literalmente enterrada e não se vê”.
Mas afinal, que tipo de empresa é a EDIA que veio transformar por completo o Alentejo? “Somos muito mais do que uma empresa de águas, somos muito mais do que uma utility, como dizem os ingleses, somos de facto uma empresa de desenvolvimento. Estamos em Beja porque Beja é o centro da mancha beneficiada por Alqueva e é onde queremos estar, junto dos beneficiários para perceber melhor as suas necessidades e ir ao encontro de problemas com que nos vamos cruzando”, assegurou José Pedro Salema.
E é com uma visão única e de “sustentabilidade, que é uma palavra um bocadinho gasta hoje em dia”, que a EDIA faz a diferença, segundo o presidente: “Quando as empresas tentam pensar a sustentabilidade de forma séria, têm de pensar não só na sua operação e com que seja o mais eficiente possível, que consuma menos recursos possíveis e que tenha o menor impacto possível, mas também naquilo que a organização está a exigir e o que põe ao dispor da sociedade”.
Tendo a EDIA um papel fundamental na construção de infraestruturas de regadio, ao longo destes anos, temos assistido a uma transformação dos hábitos da cultura agrícola. Essa evolução é encarada pelo Presidente do Conselho de Administração (PCA), com “óptimos olhos. Vejo que tínhamos uma agricultura pobre e hoje temos uma agricultura empresarial, profissional, produtiva, exportadora e criadora de emprego”.
Mas não só: “Vejo a diferença entre o sequeiro e o regadio. O regadio veio pôr um zero nas contas. Um hectare (mais ou menos do tamanho de um campo de futebol de 11), de cultura de sequeiro de trigo, é capaz de gerar 150 a 200 euros por hectare por ano. Um hectare de olival, é capaz de gerar 1500 ou 2000 por hectare por ano. Pusemos um zero nas receitas, nos custos e nas margens”.
Consequência positiva do trabalho e investimento que tem sido feito ao longo dos anos, é o aumento do número de exportações para diversos países, nomeadamente em relação ao azeite: “Alqueva é o grande responsável pelo milagre do azeite nos últimos anos, em que Portugal passou de uma situação importadora, para uma situação exportadora. Portugal precisava de importar uma parte importante do azeite que consumia para satisfazer as suas necessidades e aquilo que produzia não chegava”. Hoje, esse cenário mudou definitivamente, como nos explicou o PCA da EDIA: “Produz mais do que suficiente para si e ainda exporta uma parte importante. As exportações de olival são umas centenas de milhões de euros por ano e o grande responsável é Alqueva e os quase 70 mil hectares nesta zona, com altíssima produtividade, com bons solos, bom clima e com os rendimentos da água que faltava”.
Essa mudança nos solos com o surgimento de Alqueva, tem beneficiado a agricultura da região e hoje o regadio é uma realidade.
Contudo, o Bloco de Rega Moura/Póvoa/Amareleja, que inicialmente estava previsto avançar com o lançamento do aviso no dia 10 do passado mês, no Programa Nacional de Regadios, com um investimento de 127 milhões de euros, não vai contemplar as terras que pertencem à freguesia de Moura, tal como referiu José Pedro Salema, quando questionado pela Planície: “A dotação do orçamento (127 milhões de euros), não permite que se faça tudo aquilo que gostaríamos”. Isto aconteceu porque “nos últimos dois anos houve uma escalada de preços da construção civil que pode chegar aos 30%”.
Contamos candidatar a área da Póvoa/Amareleja com menos área do que aquela que estava prevista inicialmente e que agora é de 6.500 hectares.
José Pedro Salema
Nesse sentido e segundo o Presidente do Conselho de Administração da EDIA, foi necessário tomar “opções de cortar algumas áreas que unitariamente eram mais caras de estruturar e deixar outros blocos pelo caminho, para uma oportunidade futura que venha a aparecer”. Ainda assim, “contamos candidatar a área da Póvoa/Amareleja com menos área do que aquela que estava prevista inicialmente” e que agora é de “6.500 hectares”, afirmou o engenheiro agrónomo.
Apesar disso, a 2ª fase do Bloco de Reguengos, o Bloco de Vidigueira e o Bloco de Messejana com ligação ao Monte da Rocha, irão contribuir para mais uma transformação incomparável. “Esta mudança do sequeiro para a o regadio, que é dramática e faz subir o preço da terra brutalmente, ou seja, um proprietário que não queira explorar a terra porque não tem vocação, facilmente pode arrendar ou vender a terra e há muita procura para isso. O dinamismo que existe é muito grande. O que vai acontecer, é que vamos conseguir chegar com este benefício, mais longe”.
Durante a entrevista, a controvérsia questão da Rede Natura 2000, que divide agricultores, presidentes de câmara e Governo, também foi abordada. No caso concreto do concelho de Moura, mais de 60% das terras beneficiam desta rede ecológica.
Sobre o tema, José Pedro Salema esclareceu que “o Estado definiu zonas de conservação e o mesmo Estado definiu zonas de agricultura intensiva – essa é a definição do regadio, é onde nós queremos que aconteça a agricultura de forma mais intensiva e não faz sentido cruzar as duas coisas”. E, na sua opinião, podem funcionar em conjunto, é uma questão de “escolhas”: “O regadio não é incompatível com a conservação da natureza ou com a Rede Natura 2000. O problema é temos de fazer escolhas. Temos um recurso limitado, que não pode chegar para regar o Alentejo todo, cerca de 2 milhões de hectares e nós chegaremos a 150 mil. A primeira escolha foi não pisar as áreas definidas pelo Estado para protecção ambiental, nomeadamente o Parque Natural do Vale do Guadiana, as zonas de protecção especial e a Rede Natura 2000”.
A contrapor este assunto, estão as associações ambientalistas que referem em alguns estudos, que a agricultura intensiva e superintensiva é prejudicial à preservação “dos habitats de espécies de interesse comunitário”. José Pedro Salema responde de forma clara a concisa sobre o tema: “Esse debate está viciado porque não usa dados científicos. É muito difícil combater estes populismos e o “diz que disse”. As pessoas associam o intensivo a mau e a venenoso e isso está completamente longe da verdade. Não há espécies boas e espécies más”.
Seguindo a mesma linha de pensamento, o PCA da EDIA argumentou sobre a técnica milenar de tratamento da oliveira: “A oliveira é a cultura mais antiga da Península Ibérica, faz-se há milénios. A forma de condução da oliveira moderna, é a forma de condução de todas as árvores do sec. XXI e ninguém põe em causa como estão feitos os pomares de pera rocha do Oeste ou as maçãs de Armamar”. E destacou: “A forma de condução dessas árvores é a mesma, quando alinhamos as árvores e tentamos mecanizar a sua colheita. Olival super intensivo, é de alta densidade com mais árvores por hectare e mais pequenas, mas isso é como se faz fruticultura no sec. XXI, aliás no mundo todo, não é só aqui”.
José Pedro Salema também explicou ainda a “falsa questão” dos fitofármacos (produto que se utiliza para combater as doenças das plantas e as culturas), “que também não é verdade, que o facto de haver mais árvores por hectare de terem densidades altas, gastamos mais produtos fitofármacos. Isso não é verdade”.
A esse propósito, o futuro da região passa por uma agricultura mais sustentável, que respeita o meio ambiente, aumenta a produtividade e reduz os custos. O engenheiro Salema referiu que essa “é a tendência no mundo e não só na região de Alqueva. Precisamos de ter uma agricultura muito produtiva, eficiente, mas que respeite o meio ambiente”.
Temos de voltar ao que fazíamos antigamente, que era utilizar os nossos estrumes, para devolver fertilidade à terra.
José Pedro Salema
Na redução dos fertilizantes, a solução encontrada passa “pela valorização dos resíduos agrícolas e dos resíduos animais. Temos de voltar ao que fazíamos antigamente, que era utilizar os nossos estrumes, para devolver fertilidade à terra”.
O futuro da agricultura, tal como José Pedro Salema já referiu anteriormente, tem como recurso “a compostagem”, feita “em centrais de compostagem e temos uma. É o tal exemplo porque estamos em Beja e porque queremos atender aos problemas do sector e da região”. Este exemplo de sucesso, está a ser reproduzido na região em lagares e por produtores pecuários que “querem resolver os seus problemas e caminhar no sentido certo. Quando devolvemos matéria orgânica ao solo, fica mais vivo, mais fértil, mais produtivo, mais resistente à seca e consegue armazenar muito mais água e que os fertilizantes a aplicar sejam mais eficazes”, destacou Salema.
O projecto de Alqueva abrange actualmente cerca de 20 municípios e as mudanças no Baixo Alentejo são evidentes. No entanto, o PCA da EDIA responde aos cépticos que ainda teimam em não acreditar no potencial da infraestrutura: “Há pessoas que não querem ver a mudança. Eu desafio a analisar em pormenor um município que tenha área de regadio e compare-o com um que não tenha. Aí fica evidente”.
No caso do emprego, “temos uma situação de pleno emprego e precisamos de importar mão de obra porque não existem pessoas suficientes para atender à necessidade de mão de obra que as empresas têm”.
Agricultura “à parte” e com o merecido destaque, durante a conversa entre a Planície e o engenheiro agrónomo, o tópico da energia também veio a propósito. Mais do que uma parceria, o contrato de concessão entre o Estado Português e a EDP para “subconcessão das Centrais Hídricas de Alqueva e Pedrogão”, como explicou o entrevistado, com a entrega da EDIA à EDP dessa mesma exploração para fazer energia. “Em troca, a EDP pagou à cabeça um valor significativo e paga uma renda todos os anos. Essa renda é muito importante para equilibrar as contas da EDIA, quase cerca de metade da nossa receita, é essa renda.”
Com uma relação “regrada e que funciona muito bem”, afirmou o engenheiro sobre as empresas acima mencionadas e sendo a EDIA o maior comprador de energia do “sector público português”, no futuro, a Empresa de Desenvolvimento do Alqueva quer “ser independente do ponto de vista energético e garantir que as suas necessidades energéticas, são satisfeitas por produção própria. Não é que queiramos entrar no negócio da energia, queremos é deixar de depender do mercado da energia”.
Portugal tem tido alguma dificuldade em fazer esses investimentos, mas acredito que vamos ter decisões rápidas.
José Pedro Salema
Essa autossuficiência da empresa depende de “investimentos e Portugal tem tido alguma dificuldade em fazer esses investimentos”, mas “acredito que vamos ter decisões rápidas”, sublinhou Salema sendo esta uma prioridade para a empresa.
Outra das prioridades da Empresa de Desenvolvimento do Alqueva, é o projecto fotovoltaico flutuante junto à Estação Elevatória (os edifícios onde estão as bombas que têm de elevar a água para distribuir pelos clientes da EDIA), sem qualquer prejuízo para o ambiente, segundo José Pedro Salema: “O principal impacto de instalar megawatt, é visual. Mesmo em terra, não precisa de haver impermeabilização, os pássaros podem andar por cima, os coelhos por baixo. Agora, visualmente, forrar uma paisagem de vidro é complicado. No flutuante isso não se põe porque vamos utilizar reservatórios e no nosso caso, são artificiais”.
Parceria entre a EDIA e Câmara de Moura
Queremos os dois a mesma coisa
JOsé Pedro Samela
Os projectos anunciados entre as duas entidades, pretendem contribuir para o desenvolvimento da região e do concelho e Salema vê esta relação com “bons olhos. Queremos os dois a mesma coisa. A EDIA quer que os bens que estão à sua guarda, fiquem ao serviço da região. E a Câmara de Moura, quer o desenvolvimento da região e do concelho”. A Pousada de Alqueva, composta por quatro edifícios com 120 quartos, mais um edifício grande comum de restaurante, é uma das grandes sinergias para o futuro. “Estamos a trabalhar numa parceria com a Câmara Municipal de Moura e com o Centro ABC para criar um Centro de Alto Rendimento Desportivo e um Centro de Estágios. É muito interessante”, realçou. Prevê-se que este investimento “possa beneficiar de fundos comunitários e do PRR para reabilitar aqueles edifícios e dar um equipamento que não existe em Portugal, de Turismo de Saúde e de Desporto”.
A EDIA tem de tocar em vários sectores
JOsé PeDro Salema
O principal papel da EDIA no futuro, é segundo o seu PCA, “um agente do território. Queremos ser uma empresa de desenvolvimento e ajudar, catalisar o investimento nessas várias dimensões que falámos nesta entrevista: agricultura, energia”.
José Pedro Salema destacou ainda “o papel que podemos ter na criação de energia renovável, no turismo, funcionando como um exemplo a facilitar o contacto e a ceder informação a quem quer investir nesta região e na atenção às pessoas, aos migrantes, aos jovens, aos mais velhos, à região. A EDIA tem de tocar em vários sectores e é isso que queremos continuar a fazer”.