A não aprovação do OE para 2022, do governo minoritário do PS, “traído” pelos partidos à sua esquerda (BE, PCP e PEV), nos quais confiava, apesar de os ter desiludido na prévia “negociação” de tal OE, matou a, já antes moribunda, “geringonça”, que o mantinha no poder. O presidente Marcelo tinha avisado que dissolveria o parlamento se o OE não fosse aprovado, portanto, todos os partidos aqui acima citados não temeram, ou até desejaram, as eleições legislativas consequentes à referida dissolução. O PS nem disfarçou a sua crença na obtenção de uma maioria absoluta; os outros esquerdistas falaram em “reforço” da sua votação, aumentando o número de deputados, para que o PS não conseguisse o que desejava e eles tivessem a força necessária e suficiente para constituirem, com o PS, uma “geringonça renovada”, com capacidade para se ter um “governo de coligação” de esquerda, maioritário na Assembleia da República.
Em Novembro o PS navegava a onda do pseudo sucesso no combate à pandemia COVID, não entendendo que os eleitores começavam a não acreditar em quem os governava com soberba, o que ficou evidente nos resultados das recentes eleições autárquicas, onde perdeu (para coligações à sua direita) câmaras importantes, entre elas a de Lisboa, a maior e mais importante do país. O BE (sem qualquer câmara) e o PCP (não recuperou as câmaras que perdera 4 anos antes e perdeu mais a de Loures, a sua jóia remanescente), também não souberam perceber as mudanças à vista. Pior para todos eles: o PSD ganhou câmaras no Alentejo, contra o que todas as pesquisas informaram. E, de lá para cá, as sondagens mostram queda do PS e subida do PSD, hoje separados por pouco mais do que a famigerada “margem de erro”, fenómeno que tem merecido a análise dos habituais comentadores televisivos, quase todos claramente enviesados a favor do PS, insistindo no que nos diziam antes das autárquicas, nomeadamente em Lisboa, dando como certa a reeleição de Medina (PS), o qual a perdeu, mas continua comentando política na TVI e, na minha opinião, sem ainda ter entendido o que se passa e porque perdeu tal reeleição.
Ultimamente, têm sido divulgadas várias pesquisas, nem todas coincidentes nos números, mas todas mostrando a queda da esquerda e a subida da direita. Parece que se consolida que o CHEGA será o terceiro partido mais votado, tendo retirado votos a todos os outros partidos (BE e PCP incluídos). A subida da IL também é impressionante, além da do PSD. A descida do CDS é notável pela negativa, impressionando mais do que a descida do BE. Toda a esquerda (PS incluído) diz que a subida dos três partidos da direita (PSD incluído) é feita à custa das fraturas no CDS, tendo a sua parcela liberal migrado para a IL, a da direita ido para o CHEGA e a da esquerda ido para o PSD. Acreditando nisto, se somarmos os grandes aumentos na intenção de votos, que esses 3 partidos mostram ter, vamos concluir que o CDS era um grande partido (o que nunca foi). Só o PS não vê, por exemplo, que a subida do PSD vem da captura de muitos votos de centro, que antes votaram PS (na ressaca do governo PSD+CDS, obediente “à tróika”), cuja mudança foi parcialmente compensada pelos votos que saíram do BE e da CDU, não chegando para que o PS não esteja caindo. O pior cego é o que não quer ver; esta cegueira vai custar cara ao PS.
Os dois grandes “partidos históricos” (PS e PSD), por razões distintas, lamentam o que dizem ser a “fragmentação partidária”, com o aparecimento de pequenos partidos com deputados eleitos, a qual estaria dificultando a formação de maiorias absolutas. Tal dificuldade existe, mas não devida a fragmentação alguma, pois o que tem acontecido é a correção da curva estatística da distribuição de votos, a qual, num primeiro momento, se corrigiu à esquerda (com a UDP, depois BE, o LIVRE, etc., se somando ao PCP), tendo ficado coxa, sem a perna da direita. E assim se viveu nas últimas duas décadas, até que agora chegou o momento da sua correção à direita (com o CHEGA, a IL, o ALIANÇA, etc., se somando ao CDS). A referida distribuição se normalizou, o que vai complicar a vida de quem faz pesquisas eleitorais (já estão falhando muito), mas vai tornar muito mais claro e real o universo de eleitores, cujas diversas “faixas” devem ter representação parlamentar.
Sendo praticamente impossível que das próximas legislativas saia uma maioria absoluta, podemos voltar a ter uma geringonça de esquerda (se o PS vier a ser o vencedor e conseguir recuperar a confiança do BE e da CDU, o que é duvidoso), ou uma trapizonga de direita (se o PSD vier a ser o vencedor e conseguir fazer acordos com o CHEGA, a IL e o CDS, o que também é duvidoso e deve ser impossível sem o CHEGA). Então, qual será a opção que resta, para se ter um “governo estável”, como António Costa e Rui Rio têm pedido? Só tendo um governo de “aliança democrática”, ao centro, formado por PS+PSD, com o primeiro ministro do partido mais votado. Com geringonça, ou com trapizonga, não haverá estabilidade alguma e será impossível fazer-se as mais importantes reformas estruturais (que já tardam), que necessitam do voto de dois terços dos deputados.