As fronteiras na Europa

Em A PLANÍCIE (Março/2012), no meu artigo “Países também morrem” escrevi que, assim como as pessoas e as empresas, países também nascem e morrem, e informando, como exemplos, alguns casos históricos verídicos, entre eles o da Ruténia, “República por um dia” (15 de Março de 1939), com povo eslavo, cristão e judaico, de língua ucraniana, que foi parte integrante, desde o séc. XIX, sequencialmente, do Império Austro-Húngaro, da Checoslováquia, da Alemanha (nacional-socialista) e da Boémia-Morávia, quando se auto-proclamou independente, logo rapidamente conquistada pela Hungria, com o apoio de Hitler. Tornou-se húngara à força, foi depois ocupada pelos alemães, caiu no domínio soviético e, hoje, está integrada na Ucrânia. Por obra do destino, a sua saga pode estar para continuar, pois não deve escapar das consequências da guerra russo-ucraniana hoje em curso.
As fronteiras na Europa começam a desenhar-se na expansão do Império Romano, a nossa referência inicial, porque foi a partir da dissolução desse Império, destroçado pelas invasões dos “povos bárbaros” e pela deterioração interna da política e dos costumes, que surgiram as sementes das monarquias, que se vão sustentar sobre feudos medievais, cujos senhores demarcavam, entre si (muitas vezes batalhando ferozmente), as “fronteiras” dos seus domínios. Portugal vai nascer dessa forma, no final da Idade Média, quando um senhor feudal, D. Afonso Henriques, resolveu (à semelhança do que muitos outros já tinham feito Europa a fora) que não mais obedeceria ao seu superior (o monarca de Leão) e conseguiu o reconhecimento papal para o seu gesto. São 25 séculos de mudanças contínuas de fronteiras na Europa, sem um único século sem mudança alguma de fronteiras… Quando menos se esperava, o séc. XXI não vai ser excepção, como o prova a invasão russa da Ucrânia, a mais recente tentativa de redesenhar, à força, uma, pelo menos, fronteira europeia. E este desejo de rever fronteiras, entre países e/ou criando novos países, existe em quase toda a Europa, não apenas nos limites da antiga URSS, extinta de forma ainda hoje não muito clara.
Pesquisas de opinião credíveis (do Pew Research Center, em 2019) mostram que 53% dos russos acreditam que há partes dos países vizinhos que realmente lhes deviam pertencer e que a Rússia deveria continuar o processo de sua anexação, iniciado com a da Crimeia (em 2014), depois da sua intervenção (em 2008) na Abecássia e na Ossétia (ambas na Geórgia) e na Transnítria (na Moldávia), três novos “estados”, não internacionalmente reconhecidos como tal. Esta “continuação do processo” está, hoje, em curso, no Donbass ucraniano, como sabemos, de forma sangrenta, desumana e nada civilizada, aterrorizando os países vizinhos no Báltico (Estónia, Letónia e Lituânia) e na Escandinávia (Suécia e Finlândia), todos tendo sido partes integrantes do grande Império Russo, como o foram a Ucrânia, a Geórgia e a Moldávia.
A pesquisa de 2019, acima referida, mostrou que, entre todos os países da Europa, a Hungria é o que tem a maior percentagem de população (67%) que acredita que partes dos países vizinhos deviam pertencer-lhe. É o sonho da “Grande Hungria”, vinda do Império dos Habsburgos, anexando territórios de língua húngara na Eslováquia e na Roménia, pelo menos. A Grécia reinvindica ilhas do mar Egeu controladas pela Turquia, a qual suporta (militar e financeiramente) metade da ilha de Chipre, que se separou da outra metade, país independente, com povo grego. Nas fronteiras definidas no final da II Grande Guerra Mundial, há disputas verbais (oxalá não passem disto) por todo o lado, envolvendo a Alemanha, a Polónia, a Bulgária, a Hungria, a Roménia, a Eslováquia, etc.. E, se falarmos dos Balcãs, onde do verbo se passou à guerra, a última do séc. XX, nada ainda se pode considerar “fronteira definida”, totalmente consensual, inclusive com um país, o Kosovo, reconhecido pela maioria dos países ditos “ocidentais”, mas que não fazem maioria na ONU, pelo que não tem presença nessa organização, a qual, portanto, não o considera nação independente.
Não se pense que os problemas de fronteiras na Europa ficam só no Leste. Eles existem também no seu Centro, Ocidente, Norte e Sul, nomeadamente na mais antiga fronteira do continente, que é a entre Portugal e Espanha, onde a “ferida” de Olivença ainda está aberta. Voltarei a este assunto.

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